Uma nova chance

— Meu Deus! É você, cara? O que você tá fazendo aí?

— Ahn... é... fala meu parceiro!

— O que tá acontecendo contigo?

— Nada não, eu tô bem.

— Bem? Nem aqui, nem na China que você tá bem.

— Que nada, tá tudo tranquilo.

— Tranquilo? Mano olha só pra você...

— O que tem eu?

— Você tá um caco. Magro, fedendo... Que tristeza. Eu imagino sua mãe; como é que ela está agora... Sofrendo de desgosto, com certeza. Para com isso, brother, por favor. Se não você se mata e mata quem te ama.

— Ah, para de drama. Só tô na correria, mas tá firmão.

— Firme que nem geleia, você quer dizer?

[silêncio]

— Você sabe que dia é hoje, cara? Terça-feira. Terça. Você saiu de casa há quatro dias. Estamos preocupados contigo.

— Não precisa se preocupar, eu vou sair dessa.

— Não vai sair se continuar assim.

— Assim como?

— Você perdeu seu emprego, perdeu sua mulher, perdeu seu bebê... E está perdendo sua vida. Você não percebe? Só temos uma vida pra viver e você tá jogando a sua fora.

— Muitos falam de mim, difícil mesmo é ser eu...

— Eu sei, mas eu tô aqui pra te ajudar.

— Tô ligado.

— Lembra da gente quando éramos crianças? E depois mais crescidinhos? E depois de grande, correndo juntos atrás de emprego.

— Que saudades, cara!

[choro]

— Também sinto saudades, mano. Nós crescemos juntos... Tudo foi mais difícil pra gente, é verdade, mas sempre conseguimos vencer as dificuldades.

— Pode crer.

— Então vamos? Eu te ajudo a sair dessa. Estou do seu lado, irmão.

— Não mereço sua compaixão. Olha só pra mim...

— Não pense assim, por que você não é assim, apenas está assim.

[silêncio]

— Você tá bem louco, mano. Vem comigo, tudo vai ficar bem.

— Isso é mais forte do que eu. Toma meu corpo e minha mente e eu não consigo controlar.

— Não consegue sozinho, mas com uma ajuda você consegue.

— Se eu soubesse que ia dar nisso, não teria dado o primeiro passo, não teria fumado aquele mesclado quando me ofereceram.

— Por favor, cara, para de se martirizar. Não foi culpa sua.

— Foi sim.

— Tá... e daí?

— Ahn?

— E daí se foi culpa sua? Foi um erro. Apenas isso: um erro. E a vida é feita de erros e acertos. Agora é só você consertar e tudo vai se resolver.

— Ah se fosse fácil assim...

— Não é fácil, meu irmão, mas se você tiver apoio e força de vontade vai dar tudo certo.

— Será?

— Não tenho dúvida disso. Olha pra mim.

[olhos nos olhos]

— Eu tenho um amigo que tem uma casa de recuperação e de vez em quando o pessoal da minha igreja faz visita lá. Temos um projeto social, brincadeiras, uma palavra de conforto... Vamos pra lá?

— Nossa, cara...

— O que foi?

— Posso te contar uma coisa?

— Fala aí, jão!

— Semana passada eu tava lá em casa mó chorão e falando que do jeito que tá não dá pra ficar...

— Tô ligado.

— Pedi pra Deus uma ajuda, uma força, por que a minha acabou. Eu tô acabado, cara. E veja só, Ele te enviou para me ajudar. Respondeu minha oração mesmo... mesmo sem eu... mesmo sem eu merecer.

[choro aumenta, amigos se abraçam]

— Deus tá sempre do nosso lado, meu amigo. Pode ter certeza.

— E como eu tenho! Agora mais do que nunca.

— Então vem, cara. Vem comigo?! Vamos cuidar de você agora.

— Demorô!

[Amigos saem juntos. Um com a sensação de dever cumprido, outro com a expectativa de uma nova chance, de uma nova vida]